Era quase meia-noite e o homem estava ainda sentado ao balcão, a beber brande. As mesas estavam vazias e cada vez entrava menos gente. Demoravam-se apenas quanto bastasse para comprarem bolos, vinhos e caixas de cho colates, vistosas nas suas bonitas embalagens. Era dia de festa.No entanto, no pouco tempo que os clientes por lá per maneciam, o homem que estava a beber brande ao balcão, ao vê-los e ao ouvi-los sentia a presença de um calor hu mano e, por instantes, era como se também fosse sair dali com eles para uma festa.Agora espaçava-se mais a entrada dos compradores de alegrias. De bolos-rei já não restava nem um. Até que entrou aquela mulher ainda nova e comprou duas sandes, com o ar desatento de quem não repara em nada do que se passa à sua volta.O homem que bebia brande ao balcão pressentiu na quela mulher uma companhia para os que, como ele, não tinham festa onde ir nessa noite. Ainda pensou oferecer-lhe uma das coloridas caixas de chocolates que ornavam a montra. Mas quanto custa uma caixa de chocolates, quan to custa, sem alegria, em bolos e vinhos, uma festa?Viu-a sair com o mesmo ar desamparado com que en trara. Afinal, uma festa, pensou o homem, é apenas uma marca num dos dias do calendário, e nem sempre essa mar ca vale para todos.Agora, o café estava vazio. Os empregados bocejavam, desejosos de se irem embora, e olhavam para o homem que bebia brande ao balcão com uma atitude de vincada cen sura, como se ele tivesse culpa de ainda continuarem ali.O homem sentiu que era completa a solidão que o cer cava. Pagou e saiu.A cidade pareceu-lhe subitamente deserta. Sozinho no mundo, pensou o homem. O frio trespassou-o. Sem saber para onde ir, meteu as mãos nos bolsos, curvou-se um pou co contra o vento. E desapareceu no escuro, lá ao fundo da rua.
Manuel da Fonseca
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