segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A noite suavemente descia.


A noite 
Suavemente descia; 
E eu nos teus braços deitádo 
Até sonhei que morria...

António Botto

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Tabacaria.


      Não sou nada.
      Nunca serei nada.
      Não posso querer ser nada.
      À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo...
      Álvaro de Campos
      Texto completo aqui.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Amália Rodrigues - Madrugada de Alfama (1961)

Madrugada de Alfama.


Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada,
mas ela, de tão estouvada
nem sabe como se chama.

Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama
e que o sol primeiro inflama
quando acorda à madrugada.
Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama.

Nem mesmo na Madragoa
ninguém compete com ela,
que do alto da janela
tão cedo beija Lisboa.

E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa:
Madragoa não perdoa
que madruguem mais do que ela.
E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa.

Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada;
são mastros de luz doirada
os ferros da sua cama.

E a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa,
é como a estatua de proa
que anuncia a caravela,
a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa.

David Mourão Ferreirra

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Estrela da tarde.


Era a tarde mais longa de todas as tardes
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
Tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste
Na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhamos tardamos no beijo
Que a boca pedia
E na tarde ficamos unidos ardendo na luz
Que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto
Tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite,
Para haver outro dia. (Refrão)
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.

Foi a noite mais bela de todas as noites
Que me aconteceram
Dos noturnos silêncios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.

José Carlos Ary dos Santos

Namorados de Lisboa


Namorados de Lisboa,
à beira Tejo assentados,
a dormir na Madragoa,
Namorados de Lisboa,
num mirante deslumbrados,
à beira verde acordados.

Namorados de Lisboa,
ao Domingo uma cerveja,
uma pevide salgada,
uma boca que se beija
e que nos sabe a cereja,
a miséria adocicada,
à beira parque plantada.

Namorados de Lisboa,
sempre, sempre apaixonados,
mesmo que a tristeza doa,
namorados de Lisboa.

Namorados de Lisboa,
na cadeira dum cinema,
onde as mãos andam à toa,
à procura de um poema,
namorados de Lisboa,
que o mistério não desvenda
até que o escuro se acenda.

Namorados de Lisboa,
a apretar num vão de escada
o prazer que nos magoa
e depois não sabe a nada.

Namorados de Lisboa,
a morar num vão de escada.

Namorados de Lisboa,
sempre, sempre apaixonados,
mesmo que a tristeza doa,
namorados de Lisboa.

José Carlos Ary dos Santos

Pedro Abrunhosa - Tudo o que eu te dou (Com/With Lyrics)

Anel de Rubi -Rui Veloso

Jorge Palma - Encosta-te a Mim

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Vestígios.


noutros tempos

quando acreditávamos na existência da lua

foi-nos possível escrever poemas e

envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído

pelas salivas proibidas - noutros tempos

os dias corriam com a água e limpavam

os líquenes das imundas máscaras



hoje

nenhuma palavra pode ser escrita

nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras

ou se expande pelo corpo estendido

no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se



onde se pode - num vocabulário reduzido e

obcessivo - até que o relâmpago fulmine a língua

e nada mais se consiga ouvir



apesar de tudo

continuamos e repetir os gestos e a beber

a serenidade da seiva - vamos pela febre

dos cedros acima - até que tocamos o místico

arbusto estelar

e

o mistério da luz fustiga-nos os olhos

numa euforia torrencial



Al-Berto

lisboa que amanhece - sérgio godinho e caetano veloso

Tiago Bettencourt & Mantha - Canção Simples

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011


E a vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inútil. Tudo é ilusão.
Quantos não cismam nisso mesmo a esta hora
Com uma taça, ou um punhal na mão!

Mas a arte, o lar, um filho, António? Embora!
Quimeras, sonhos, bolas de sabão.
E a tortura do Além e quem lá mora!
Isso é, talvez, minha única aflição.

Toda a dor pode suportar-se, toda!
Mesmo a da noiva morta em plena boda,
Que por mortalha leva...essa que traz.

Mas uma mão: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar nesse convento
Que há além da morte e que se chama A PAZ!
António Nobre